domingo, 26 de outubro de 2008

o animal 1

Sábado à noite.
O animal foi jantar fora. Sózinho. Não gosta muito mas já gostou menos...
O restaurante eleito foi o brasileiro do bairro. “Meia feijoada” por €3,25, não sabe o animal como é que o proprietario, de português açucarado, consegue praticar tais ninharias...
Na mesa do lado um casal. Tão próximos do animal que até parece que jantam juntos.
Silêncio...
Conversam quase tanto como o animal sozinho...
Cansados da semana, do trabalho, da vidinha, um do outro...
Quando o fazem, ela queixa-se e maldiz tudo, o restaurante, o dono, o serviço, o tempo de espera, tudo. Amarga... Ele, silêncio...
O animal não lhe ouviu a voz...
Mais adiante, outro casal, desta feita dialogam. Em francês. Dão-se bem, aparentemente, falam de muitas coisas, ambos. Não pareceu ao animal que se interrompessem muito, bem antes pelo contrário, respeitinho.
Lipton Ice Tea de pêssego, “se faz favor”...
- O animal às vezes esquece-se de dizer as mágicas palavras “sff”, mas acha que o tom simpático as substitui.
Mais adiante, outra mesa.
Grande, grande familia, casal, filhos e sogros. Um jantar de sábado comme il faut.

O avô paga.

E é se quer ter a companhia do resto do rebanho. Falam muito, e muito alto. Riem e contam estórias das meninas e respectivas escolas...
- Referem-se às filhas como “as meninas”... A menina quer, diz, pode ou faz. Duas já cá fora e mais uma a caminho...
O pai das crias vestiu o seu melhor fato de treino, afinal de contas é sábado, porra! E jantar que se preze, feijoadas, moquecas, frango caipira e mais pudins, são, como bem se sabe, tarefa hercúlea, digna de um atleta de alta competição. Os ténis deste verdadeiro Carlos Lopes da “enfardoria” nacional, de tão imaculadamente brancos, iluminam a sala, enchem-na de luz e aos restantes animais, de inveja.
Mais adiante ainda, no piso de cima, mais um grupo, desta feita sul americanos, brasileiros, que vieram seguramente matar as saudades dos sabores da terra por pouco dinheiro.
O animal também tem saudades do Brasil. Pouco lá foi, mas muito gostou. Assim uma espécie de Second Life um pouco mais real (não muito) que a outra...
Rio for ever!
Enquanto a terceira ida não vem, queria um café e a conta se faz favor.

- À segunda lembrou-se, o animal...
Veste o blusão de penas, exagerado para as primeiras ameaças de frio, sai, acende uma pirisca que guardava no bolso para a ocasião.

Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe. Em quatro minutos e meio, num mesmo Bairro, dá-se a volta a África.
Entra na cubata, fecha a cortina e fecha-se a ele também, o animal.

2 comentários:

Justine disse...

...e às vezes, dentro do mesmo quarto, dá-se a volta ao mundo!
A tua crónica está muito saborosa -e a feijoada?
Bjinho

Patanisca disse...

Foi a primeira vez que vim aqui e tive muito prazer em ler o teu post.

Teresa Sofia